Autor do livro “O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran
Circo Norte-Americano”, o jornalista Mauro Ventura afirmou que a
tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada deste domingo
(27) –que vitimou mais de 230 jovens-, é um indício de que as
autoridades brasileiras “não aprenderam nada nos últimos 52 anos”.
Na tarde do dia 17 de dezembro de 1961, mais de 500 pessoas
morreram enquanto o Gran Circo Norte-Americano, situado em Niterói, na
região metropolitana do Rio de Janeiro, era consumido pelas chamas. Esse
foi o incêndio mais mortal na história do país.
“Basta passar a comoção inicial que os erros se repetem. O que mais
impressiona é que parece que essas tragédias ocorrem em vão. (…) Naquela
ocasião, foram mais de 500 vítimas. As autoridades não aprenderam nada
nos últimos 52 anos. Sempre se fala em fatalidade, que é uma palavra
muito cômoda para esconder os problemas”, disse.
“Conforme o tempo passa, a memória das pessoas vai se apagando, as
regras vão se afrouxando e a impunidade continua”, completou o
jornalista.
Embora separadas por mais de meio século, há uma série de
características semelhantes entre as duas tragédias, segundo Ventura.
Tanto o circo em Niterói quanto a boate de Santa Maria estavam com
superlotação, e ambos não tinham saída de emergência. Além disso, há em
comum o fato de que o material utilizado pelos proprietários dos
estabelecimentos era altamente inflamável.
“O circo tinha apenas uma porta para entrada e saída, da mesma forma
que a boate. Não havia nenhuma porta de emergência. O Gran Circo também
não possuía extintores de incêndio, o material utilizado para fabricar a
lona era altamente inflamável [a perícia mostrou que a lona era feita
com algodão revestido por uma camada de parafina, e não de náilon, como
propagava o então dono do circo, Danilo Stevanovich, morto em 2001]. No
caso da boate, os extintores não funcionaram, pelas primeiras notícias
que recebemos, e o teto foi rebaixado para instalação de isolamento
acústico que utilizava material inflamável. Enfim, nos dois casos, não
havia um sistema anti-incêndio”, argumentou ele, lembrando ainda o fato
de que o circo utilizava, em 1961, grades de ferro para controle de
acesso.
Fuga da elefanta
O que acabou salvando um grande número de pessoas, segundo Ventura,
foi a fuga da elefanta Semba, uma das principais atrações do Gran Circo
Norte-Americano. Assustada com as chamas, ela correu para fora da lona,
abrindo assim um enorme buraco em uma das laterais.
“A fuga dela abriu um rombo pelo qual muita gente conseguiu sair.
Algumas pessoas morreram pisoteadas, mas, no fim das contas, ela salvou
mais pessoas do que matou”, disse o autor do livro.
Incêndio criminoso
A investigação policial apontou três responsáveis pelo incêndio no
Gran Circo Norte-Americano, sendo o grande culpado o ex-funcionário
Adilson Marcelino Alves, o “Dequinha”, posteriormente preso e condenado a
16 anos de prisão e mais seis em manicômio judiciário, como medida de
segurança.
Dequinha conseguiu fugir da prisão em 1973, mas foi assassinado menos
de um mês depois. Seus cúmplices foram identificados como José dos
Santos, o “Pardal”, e Walter Rosa dos Santos, o “Bigode”. Ambos também
foram presos e condenados, e não se sabe o que aconteceu posteriormente,
segundo Ventura. “Perdeu-se o contato com os outros dois. Na verdade,
quase todos os registros relativos ao circo foram perdidos”, disse.
Apesar da maioria das testemunhas entrevistas pelo jornalista
defender a tese de que Dequinha fora acusado de forma injusta, o autor
entende que o ex-funcionário, de fato, foi o responsável pela tragédia.
De acordo com a versão policial apresentada na época, o suposto
criminoso teria planejado colocar fogo no circo por ter sido demitido
após dois dias de trabalho.
A demissão teria ocorrido, segundo os registros, porque Alves
apresentava problemas mentais e ainda tinha antecedentes criminais por
furto, o que desagradou o proprietário do circo, Danilo Stevanovich.